Variáveis: escolha os outros ingredientes do seu bolo

Agora que você já definiu a população, o ingrediente principal do seu bolo, será necessário escolher os outros ingrediente, que também vão interferir no resultado final. Assim como a farinha, o açúcar e o fermento influenciam no aspecto, textura e sabor de um bolo, as variáveis determinam a qualidade do seu estudo.

O que são variáveis?

As variáveis são características que podem ser medidas ou controladas em uma pesquisa. Elas podem variar, influenciar ou serem influenciadas pelas condições do estudo. As duas principais variáveis do seu projeto, a dependente e a independente foram definidas na elaboração da hipótese e do objetivo principal. Mas apenas elas não devem ser suficientes para alcançar resultados confiáveis. Vejamos a seguir os tipos de variáveis.

Quais os tipos de variáveis?

Variáveis dependentes

As variáveis dependentes são aquelas que são afetadas pelas mudanças de outras variáveis. Elas são medidas e observadas para determinar os efeitos das outras variáveis. O projeto deve ter pelo menos uma variável dependente, que representará o desfecho primário (o efeito principal que se quer medir). Você pode incluir outras variáveis dependentes, que representarão desfechos secundários. Em alguns casos o desfecho principal, ou primário, pode ser um desfecho composto.

Vamos voltar a uma hipótese já conhecida: “A terapia cognitivo-comportamental é mais eficaz do que a farmacoterapia no tratamento da depressão em pacientes adultos”. O desfecho primário é a depressão, que pode melhorar ou não após o tratamento. Além da melhora dela, você pode medir a ocorrência de efeitos colaterais e a qualidade de vida nos dois grupos, que seriam desfechos secundários. O que seria um desfecho composto neste caso? Poderia ser uma escala que medisse conjuntamente a melhora da depressão e da qualidade de vida. Neste caso, as medidas isoladas da melhora clínica e da qualidade de vida se tornariam desfechos secundários.

Vejamos outro exemplo de desfecho composto. Imagine que você está testando o medicamento que deve reduzir a mortalidade por doenças cardiovasculares (desfecho principal). Para que você avalie este desfecho, será necessário somar a mortalidade específica de cada doença (infarto do miocárdio, derrame, insuficiência cardíaca e arritmias). Cada taxa mortalidade por uma causa específica seria um desfecho secundário.

Variáveis independentes

As variáveis independentes são aquelas que podem interferir diretamente sobre a variável dependente. Uma delas representará a exposição.

Vejamos a hipótese sobre pesquisa em educação: “Alunos de medicina que utilizam tecnologia interativa como ferramenta de aprendizagem apresentam desempenho acadêmico superior em comparação com aqueles que não utilizam”. A variável independente será o uso de tecnologia interativa e a variável dependente uma medida que represente o desempenho acadêmico, como a nota. Posso usar uma exposição composta representada pelo uso de qualquer tecnologia interativa, que será a soma de recursos interativos independentes, como avaliações adaptativas, games e chats. Neste caso, cada uma das tecnologias pesquisadas poderia ser uma variável independente também.

Variável de confusão

A variável de confusão é uma variável que pode distorcer a relação entre a variável independente (exposição) e a variável dependente (desfecho). Ou seja, é uma variável que está associada as outras duas variáveis, podendo criar impressão falsa de causalidade. Caso as variáveis de confusão não sejam medidas e analisadas, os resultados do estudo podem ser totalmente equivocados.

Por exemplo, imagine um estudo que investiga a relação entre o consumo de café (variável independente) e o risco de desenvolver doenças cardíacas (variável dependente). O hábito de fumar está fortemente associado ao consumo de café e a ocorrência de doenças cardiovasculares. Suponha que o pesquisador não avaliou o hábito de fumar e encontrou uma relação forte entre consumo de café e infarto do miocárdio em um estudo de coorte, o que poderia permitir estabelecer um nexo causal entre os dois. Se, na amostra avaliada, existir um número proporcionalmente maior de fumantes entre os consumidores de café em relação aos não consumidores, a causa do infarto pode ser o tabagismo e não o café. Neste caso, a conclusão poderia estar errada. Seria necessário medir as duas variáveis, consumo de café e tabagismo, para verificar, na análise de dados, a influência de cada uma sobre o infarto. Portanto, ao planejar um estudo, é crucial identificar variáveis de confusão para garantir que as relações entre a variável independente e a dependente sejam interpretadas adequadamente e que conclusões sejam precisas.

Nem sempre é fácil diferenciar uma variável independente de uma variável de confusão. A revisão da literatura auxilia nessa identificação. A princípio, a variável de confusão tem que estar ligada as outras duas. Características pessoais e demográficas, como sexo, idade, nível socioeconômico, geralmente são consideradas variáveis de confusão. Vamos voltar as nossas hipóteses para exemplificar variáveis independentes e de confusão.

No estudo sobre depressão, o tratamento é a variável independente principal. Caso seja utilizadas terapias cognitivas diferentes ou medicamentos diferentes, cada um deles será uma variável independente. As variáveis de confusão poderiam ser: gravidade da depressão antes do tratamento, histórico de tratamento anterior, idade, presença de outras doenças e adesão ao tratamento. Para relembrar o conteúdo sobre População, algumas dessas variáveis de confusão poderiam ser eliminadas pelos critérios de inclusão (idade < 60 anos, por exemplo) ou exclusão (diagnóstico anterior de depressão). Assim, você reduziria os fatores de confusão, mas também restringiria a generalização dos seus resultados, que não poderiam ser aplicados a idosos (> 60 anos) e nem a casos de recidiva, pois seus pacientes seriam todos “virgens” de tratamento, por ser o primeiro episódio de depressão.

No caso do estudo sobre educação médica, além do uso de tecnologias interativas, isoladas ou em conjunto, também poderiam ser consideradas como variáveis independentes o método de ensino utilizado no curso e a estrutura curricular. Como variáveis de confusão, pode-se citar: nível socioeconômico dos alunos, desempenho acadêmico prévio, tempo dedicado ao estudo fora de sala de aula, período do curso e graduação anterior em curso da área de saúde.

Lembre-se, é extremamente importante considerar as variáveis de confusão, pois elas podem distorcer a relação entre a exposição e o desfecho. Não medir estas variáveis pode levar a conclusões totalmente erradas.

Características da variáveis

As variáveis podem ser divididas em numéricas e categóricas. Essa divisão é muito importante para a elaboração do instrumento de coleta de dados e do plano de análise. Além de listar as variáveis de acordo com os tipos já descritos, é importante caracterizá-las. Vejamos mais detalhes sobre essa divisão.

Variáveis numéricas

As variáveis numéricas são aquelas que podem ser medidas ou contadas e cujos valores são equidistantes. Elas são divididas em dois tipos: contínuas e discretas.

As variáveis numéricas contínuas podem assumir um número infinito de valores dentro de um intervalo específico, como altura, peso, temperatura e pressão arterial. Elas são compostas por números reais, ou sejam, números que podem ser inteiros com ou sem decimais.

As variáveis numéricas discretas são representadas apenas por números inteiros (sem decimais) e podem assumir valores específicos e distintos, que podem não representar uma escala completa, como o número de filhos de uma família. Pode ser que nenhuma das famílias pesquisadas possuam dois filhos, apesar de existirem famílias com um, três e quatro filhos em sua amostra

Variáveis Categóricas

As variáveis categóricas representam diferentes categorias ou grupos que não têm uma relação de magnitude entre elas. Elas podem ser divididas em três grupos: dicotômicas, ordinais e nominais.

As variáveis categóricas dicotômicas são aquelas que têm apenas duas categorias mutuamente excludentes, como sexo biológico (masculino ou feminino), a presença ou ausência de determina condição médica e a aprovação ou reprovação em uma disciplina.

Nas variáveis categóricas ordinais, as categorias possuem uma ordem específica, mas não há uma relação de grandeza entre elas, ou seja, a distância entre as diferentes categorias não tem uma relação matemática. Bons exemplos são o nível de dor (leve, moderada, intensa e insuportável) e grau de satisfação (muito insatisfeito, insatisfeito, neutro, satisfeito e muito satisfeito). Uma pessoa muito satisfeita está em um nível mais alto que a pessoa insatisfeita ou a neutra, mas não há uma relação matemática entre elas. Muito satisfeito não é o dobro de satisfeito, assim como a dor insuportável não é a dor moderada multiplicada por três.

As variáveis categóricas nominais são as que possuem mais de uma categoria, mas não há um ordenamento ou hierarquia entre elas. As categorias são independentes. Por exemplo, a cor dos olhos ou do cabelo ou a ocupação de uma pessoa.

Escolhendo as variáveis

A revisão da literatura é a principal referência para a escolha das variáveis. A característica de cada uma delas, se numérica ou categórica, dependerá da variável em si e de como ela será medida. Vamos discutir isso em outro post.

Não caia na tentação de incluir todas as variáveis possíveis. Tome cuidado! O excesso de variáveis pode arruinar o seu projeto, assim como o excesso de açúcar ou de fermento vai estragar o bolo.

Primeiro, certifique-se da relevância de cada variável. Ela está diretamente relacionada ao seu objeto de estudo e a sua pergunta de pesquisa? Ela possui impacto potencial importante nos resultados? Se a resposta for sim para as duas perguntas, vá para o passo seguinte.

Avalie a viabilidade. É possível medi-la de forma precisa? Ela é compatível com o tempo de execução do projeto e com os recursos disponíveis?

Uma vez consideradas a relevância e a viabilidade da variável, é muito importante avaliar a validade e a confiabilidade dela. A validade refere-se à capacidade da variável medir o que se quer medir. Já a confiabilidade é a reprodutibilidade da medida, ou seja, a sua precisão. Essas etapas garantem a escolha criteriosa das variáveis e contribuem para a consistência e credibilidade do projeto.

Conclusão

Assim como uma receita de bolo requer uma seleção e combinação cuidadosa de ingredientes, uma pesquisa de qualidade depende da escolha adequada das variáveis. Compreender e selecionar as variáveis de forma criteriosa é essencial para garantir a qualidade dos resultados. Ao alinhar as variáveis com os objetivos do estudo e garantir sua mensurabilidade, viabilidade, relevância, validade e confiabilidade você realizará estudos mais consistentes e significativos. Assim, pode-se obter conclusões confiáveis e contribuir para o avanço do conhecimento em sua área de estudo.