Médico | Professor | Mentor | Conselheiro
No post anterior conversamos sobre o desenho de estudo, que é tipo de bolo que você vai fazer (simples, duas camadas, três andares, com cobertura…). Continuando a receita, hoje vamos falar da população, que será o ingrediente principal, aquele que determina o sabor do seu bolo.
A escolha da população-alvo é crucial para a qualidade e validade de seu projeto de pesquisa. Ela é definida com base em sua hipótese de pesquisa, nos objetivos e no desenho do estudo.
Por exemplo, se sua hipótese é “A terapia cognitivo-comportamental é mais eficaz do que a farmacoterapia no tratamento da depressão em pacientes adultos”, a população deverá ser constituída por pacientes adultos com depressão. Como seu objetivo é comparar dois tipos diferentes de tratamento, o desenho inicial será um ensaio clínico.
No caso da hipótese “Alunos de medicina que utilizam tecnologia interativa como ferramenta de aprendizagem apresentam desempenho acadêmico significativamente superior em comparação com aqueles que não utilizam”, a população será constituída por estudantes de medicina, mas pode haver algumas variações, de acordo com o tipo de estudo. Se você for fazer um estudo transversal ou um coorte, a população deverá ser formada por estudantes de medicina que usam métodos ativos de aprendizagem e estudantes que não usam. Se for um estude experimental, a população será apenas de estudantes de medicina, que serão divididos em dois grupos.
A população-alvo ou população de interesse representa o conjunto total de pessoas com as características pré-definidas, como adultos com depressão ou estudantes de medicina. No entanto, não é viável fazer um estudo que envolva a população total. Então vamos trabalhar com a população alcançável, que é o subconjunto da população total a qual você tem acesso. Por exemplo, as pessoas com depressão de um bairro, ou os estudantes de medicina de uma cidade. Ainda assim, pode ser inviável trabalhar com todos as pessoas da sua população alcançável. O recurso então é trabalhar com um subconjunto desta população, que é chamado de amostra.
O tamanho da amostra é definido pelo cálculo amostral, que varia de acordo com o desenho do estudo. Sem entrar em detalhes de fórmulas matemáticas, o ponto de partida para este cálculo é a estimativa da diferença que você espera encontrar entre dois grupos ou da frequência da condição a ser avaliada em um estudo transversal. Esta estimativa é feita com base na sua revisão da literatura. Como regra geral, quando maior for a diferença entre os grupos ou mais frequente for a característica que você quer avaliar, menor será a amostra.
Além desta estimativa, existem dois parâmetros que são definidos pelo pesquisador no cálculo amostral e que interferem no tamanho da amostra. O primeiro é o nível de confiança, que define a precisão da sua amostra, ou seja, a probabilidade do resultado encontrado representar a população-alvo. Normalmente, utiliza-se o valor de 95% (ou 0,95). Quanto maior o valor, maior será a amostra necessária e mais preciso o estudo. O segundo é o poder da amostra, que é a capacidade do estudo detectar uma diferença ou efeito quando ele realmente existe na população de interesse. Geralmente, utiliza-se o valor de 80%. Este valor também é diretamente proporcional ao tamanho da amostra.
O número de grupos que serão avaliados, o uso de grupos em proporções diferentes (por exemplo, 2:1 ou 3:1) também podem influenciar a tamanho da amostra. Caso o cálculo amostral indique um valor difícil de ser atingido, podem ser feitos alguns ajustes, de forma criteriosa e baseado na literatura. Se, mesmo com esses ajustes, a amostra for inviável, talvez seja necessário reavaliar o desenho do estudo.
Outra técnica que pode ser utilizada para reduzir o tamanho da amostra é o pareamento. Essa técnica é a criação de pares entre grupos diferentes com base em alguma característica, como sexo ou idade, por exemplo. Ou seja, uma mulher em um grupo terá outra mulher formando seu par no outro grupo. O pareamento pode ser utilizado em estudos caso-controle e coorte. Também pode ser utilizado em estudos tipo antes e depois. Neste caso a pessoa é pareada com ela mesma, nos dois momentos de estudo. Existem testes estatísticos específicos para amostras pareadas.
Em pesquisas qualitativas, não existe um tamanho de amostra pré-definido. Geralmente, utiliza-se a técnica saturação para interromper o processo de seleção de participantes. A saturação é alcançada quando as informações colhidas nas entrevistas passam a ser repetitivas. Estudos de consenso, como a técnica de Delphi, podem ser considerados estudos qualitativos também. Nesses casos, recomenda-se uma amostra de 20 a 30 pessoas, que pode ser dividida em grupos para que a amostra final seja mais representativa. Por exemplo, um projeto que avalie o conhecimento necessário de formandos em medicina em relação à Infectologia não deve ter apenas médicos infectologistas, pois haverá um claro viés. A amostra poderia ser dividida em quatro grupos, por exemplo: infectologistas, médicos de família, clínicos gerais e pediatras.
O processo de escolha dos participantes da pesquisa, ou seja, da sua amostra, é chamado de amostragem. Trata-se de procedimento importante, pois ele definirá a capacidade de aplicação dos seus resultados na população total. O processo de amostragem deve garantir que a amostra resultante seja o mais próximo possível da população-alvo, para que seja possível generalizar os resultados. O erro amostral é a diferença observada entre a amostra e a população-alvo. Sempre haverá um erro amostral, mas quanto menor ele for, maior será capacidade de generalização do seu estudo. Existem basicamente dois tipos de amostragem, a probabilística e a não probabilística, que podem ser aplicadas a tipos diferentes de amostras, como veremos a seguir.
Na amostragem probabilística cada membro da população alcançável tem uma chance conhecida de ser selecionado. Para que isso seja possível, é preciso conhecer todos os membros da população. Voltando ao exemplo dos estudantes de medicina, eu teria que ter acesso a lista com todos os nomes dos alunos matriculados. Isso não parece muito difícil, se pensarmos em um ou dois cursos de Medicina. Mas, dificilmente existe uma lista com todos os adultos com depressão de um bairro ou uma cidade. Outra situação que dificulta a operacionalização da amostragem probabilística é a Lei Geral de Proteção de Dados. Eu posso utilizar a amostragem probabilística em amostras aleatórias simples, estratificadas, sistemáticas e por conglomerados.
Na amostra aleatória simples é feito um sorteio entre todos os membros da população, que tem a mesma chance de serem selecionados, até que a amostra seja atingida. Na amostra estratificada, a população é dividida em subgrupos (ou estratos) e é feito um sorteio aleatório em cada estrato, até que a amostra seja alcançada. A amostra estratificada é utilizada quando é preciso garantir que os grupos tenham determinado tamanho com base em alguma característica. Por exemplo, você precisa que haja o mesmo número de homens e mulheres em sua amostra. Ou, pensando em educação, você precisa do mesmo número de alunos ingressantes e concluintes de acordo com seu projeto.
Na amostra sistemática, você deve dividir o número de pessoas da sua população pelo tamanho da amostra, por exemplo 3000/150 = 20. Você sorteia aleatoriamente um número entre 1 e 3000 e começando do número sorteado inclui a pessoa que representa o número mais 20. Por exemplo, vamos supor que você sorteou o número 2955. Nesta caso você vai incluir a pessoa que está nessa posição na lista, seguida do 2975, 2995, 15, 35 …. até completar 150, que deve ser o número 2935. É essencial sortear o primeiro número, pois é isso que garante a aleatoriedade deste procedimento.
A amostra por conglomerados é uma técnica muito útil quando você precisa de uma amostra probabilística e não tem acesso a uma lista de toda a população, mas tem, pode exemplo, uma lista de conglomerados, como o cadastro das casas de um bairro ou uma cidade. Neste caso, o sorteio é feito pelo conglomerado (a casa, por exemplo), mas a coleta de dados é baseada em pessoas da casa que preencham as características da população do estudo.
Na amostragem não probabilística, os participantes são selecionados com base em critérios não aleatórios, como conveniência ou julgamento do pesquisador. Ou seja, as pessoas são incluídas porque estavam presentes no local onde foi feita a seleção, ou porque tem algum interesse pessoal no estudo, ou por efeito de manada. Logicamente, é uma amostra mais sujeita a vieses e, por isso, com potencial menor de generalização. No entanto, muitas vezes, é a única maneira possível de seleção.
Os critérios de inclusão e exclusão são critérios pré-definidos utilizados para caracterizar melhor sua amostra, com objetivo de reduzir vieses e garantir a homogeneidade, além de aumentar a transparência e a replicabilidade do projeto.
Os critérios de inclusão são características ou condições que os participantes devem possuir para participarem do estudo. São estabelecidos com base nos objetivos da pesquisa, nas características da população-alvo e nas variáveis de interesse. Por exemplo, a faixa etária em um estudo sobre uma doença que ocorre após os 40 anos. Ou a presença de determinada doença, no caso de um ensaio clínico. Em educação, podemos pensar no período do curso, no caso de um estudo que será aplicado em alunos que já realizam atendimento ambulatorial. Nos estudos que utilizam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, a assinatura dele deve ser critério de inclusão obrigatório.
Os critérios de exclusão são características ou condições que desqualificam os participantes, mesmo que atendam aos critérios de inclusão. Eles devem minimizar os viés potenciais ou garantir a segurança dos participantes. Por exemplo, em um ensaio clínico, o uso de algum medicamento que sabidamente tem interação com o medicamento a ser testado. Ou a presença de uma doença que pode ser agravada pelo novo tratamento. Em educação, pode-se eliminar um aluno que já cursou determinada matéria relacionada à intervenção que será realizada. Não completar os procedimentos previstos, como o preenchimento de questionários ou a realização de consultas de acompanhamento pode ser um critério de exclusão importante.
Deve-se buscar o equilíbrio entre a permissividade e a restrição da elaboração desses critérios. Caso eles sejam muito permissivos, a seleção de voluntários será mais fácil, mas sua amostra deverá ser muito heterogênea. Isto dificultará a identificação de padrões ou efeitos significativos, comprometendo a validade interna do estudo. No caso de critérios muito restritivos, haverá dificuldade na serão dos voluntários. Sua será uma amostra muito homogênea, o que reduzirá a capacidade de generalização dos resultados e afetará a validade externa do estudo.
O recrutamento é o processo de seleção dos potenciais voluntários. É um momento crítico do projeto, pois a demora em completar sua amostra vai impactar a execução de outras etapas. De acordo com o desenho o estudo, o recrutamento e as intervenções podem ser realizados de forma paralela ou pode ser necessário recrutar todos os voluntários primeiro e depois realizar a intervenção. Veremos mais detalhes em um próximo post.
Existem várias técnicas de recrutamento, cujo uso depende da sua população e do processo de amostragem. É importante analisar estudos prévios com a mesma população para identificar estratégias que funcionaram ou não. Assim você terá uma estimativa da dificuldade e do tempo necessário para recrutar todos os voluntários. As estratégias a seguir podem e devem ser utilizadas em conjunto, de acordo com sua população-alvo.
Mídia digital: hoje as mídias sociais são uma ferramenta poderosa de recrutamento. Você pode utilizar vários recursos, como criar um perfil ou site para seu estudo, realizar anúncios nas redes sociais, usar gifts e figurinhas, criar um e-mail personalizado com o nome do estudo, divulgar formulários on-line e mensagens em grupos de WhatsApp. Essas estratégias que podem atrair uma ampla gama de participantes.
Mídia impressa: o uso de cartazes, flyers e banners também podem ser utilizados, principalmente quando seus voluntários frequentam locais específicos, como determinado hospital, unidade de saúde ou alguma faculdade, por exemplo.
Contato direto: entrar em contato diretamente com indivíduos ou grupos relevantes através de e-mails, telefonemas ou mensagens são métodos que ainda podem ser eficazes de acordo com perfil da população-alvo.
Parcerias com organizações: colaborar com instituições, empresas ou organizações com acesso à população-alvo, bem como participar de eventos relacionados a essas instituições, também pode facilitar o recrutamento.
Bola de neve: é uma estratégia muito utilizada em amostras por conveniência. Consiste em estimular a divulgação do estudo a partir dos voluntários já recrutados, solicitando que eles indiquem outros potenciais participantes dentro de suas redes sociais ou comunidade.
A escolha adequada da população-alvo, do tamanho de sua amostra, do processo de amostragem e das estratégias de recrutamento são cruciais para a validade e aplicabilidade dos resultados de seu projeto.