Desenho do estudo: que bolo você vai fazer?

Agora vamos começar a detalhar a receita do bolo. Assim como o tipo de bolo define os ingredientes e outros materiais a serem utilizados, o desenho do estudo define a estrutura básica e os materiais e métodos necessários para conduzir o seu projeto de pesquisa. Cada tipo de desenho possui uma abordagem metodológica específica.

Como definir o desenho do meu projeto de pesquisa?

Para determinar o desenho de estudo correto para o seu projeto, deve-se considerar vários fatores, como:

      • objetivo do projeto;
      • tipo de dados que você pretende coletar;
      • disponibilidade de recursos;
      • prazo de execução;
      • limitações operacionais; e
      • aspectos éticos.

O objetivo é o principal determinante do desenho do estudo. Que pergunta você espera responder? Você está interessado em avaliar a eficácia de uma intervenção, explorar a relação entre variáveis específicas ou descrever um fenômeno? Para alcançar seu objetivo, pretende realizar uma pesquisa clínica com seres humanos, pesquisa em educação ou pesquisa básica? Outro ponto relacionado ao objetivo é o nível de evidência necessário. Você está buscando evidências sobre a eficácia de uma intervenção (ensaios clínicos randomizados ou estudos experimentais são os ideais), sobre associações entre variáveis (estudos de coorte, estudos transversais ou caso-controle podem ser apropriados) ou está interessado em explorar um fenômeno em profundidade (estudos qualitativos como estudos de caso podem ser úteis).

Avalie os recursos que você tem disponíveis, como tempo, pessoal e acesso aos possíveis participantes para realizar o estudo. Alguns desenhos exigem mais recursos do que outros. Ensaios clínicos para avaliação do tratamento de doenças crônicas podem ser muito demorados, assim como estudos de coorte. Estudos transversais podem ser mais rápidos, se a população não for muito grande e for acessível. Será preciso adquirir algum equipamento? A equipe de pesquisa domina as técnicas que serão usadas, ou será necessária alguma capacitação? Quanto mais demorado e complexo o estudo, mais caro! Seu financiamento está garantido e cobre os custos do projeto?

E, não menos importante, os aspectos éticos. Todos os estudos que envolvam seres humanos ou animais devem ser submetidos ao Comitê de Ética. Os procedimentos utilizados são experimentais ou já têm eficácia comprovada? Haverá uso de placebo? Haverá coleta e armazenamento de materiais biológicos? A coleta de dados será on-line ou presencial? Em alguns tipos de estudo, principalmente com base de dados já existente, pode haver dispensa da aplicação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, mas, mesmo assim, o estudo deve ser submetido à apreciação ética. Não se esqueça de acrescentar o tempo necessário para aprovação pelo Comitê de Ética no seu cronograma!

Existe estudo ideal?

Todo pesquisador quer realizar um “estudo ideal”, ou seja, aquele que atende a todos os critérios de excelência em pesquisa e que responderá à pergunta de pesquisa de forma completa e definitiva. Geralmente, o estudo ideal é caracterizado por alto nível de rigor metodológico, grande tamanho de amostra, longo período de acompanhamento e controle rigoroso de variáveis de confusão, que devem levar ao melhor nível de evidência científica.

Infelizmente, muitas vezes isso não é possível no mundo real. Pode haver restrições éticas, de recursos, de tempo, de acesso a participantes, entre outras, que limitam a capacidade de realizar o estudo ideal. Por exemplo, não seria ético expor intencionalmente um grupo de pessoas a um determinado fator nocivo, como radiação, para avaliar a relação de causalidade com determinada doença. No caso de doenças ou eventos raros, de baixa incidência, um estudo longitudinal possivelmente não seria viável, pela longa duração necessária.

Muitas vezes, será preciso fazer algumas modificações no desenho do estudo para torná-lo viável. Logicamente, não se deve renunciar ao rigor metodológico e ao planejamento. Mesmo se for necessária alguma modificação, o estudo deve ser conduzido de forma a buscar a melhor evidência possível para responder o seu objetivo. O nível de evidência necessário dependerá dos objetivos do projeto e do contexto em que ele será realizado. É importante garantir que os estudos sejam bem planejados e executados para fornecer evidências válidas e úteis.

Lembre-se, o conhecimento científico não é construído a partir de uma única evidência, mas pelo acúmulo de evidências que apontam na mesma direção.

Níveis de evidência

A qualidade dos resultados de um estudo pode ser classificada de acordo com os critérios de nível de evidência do Centro de Medicina Baseada em Evidências, localizado na Inglaterra. Esta classificação é uma orientação para que você possa avaliar a força e a qualidade do desenho proposto. Além do desenho em si, fatores associados a execução, análise e interpretação dos dados interferem diretamente da qualidade da evidência produzida. Veja a seguir os níveis de evidência, em ordem decrescente, de acordo com o desenho e as características gerais do estudo:

      • nível 1 – revisão sistemática ou meta-análise de todos os ensaios clínicos randomizados controlados relevantes, ou diretrizes clínicas baseadas em revisões sistemáticas de ensaios clínicos randomizados controlados;
      • nível 2 – pelo menos um ensaio clínico randomizado controlado bem delineado;
      • nível 3 – estudos clínicos bem delineados sem randomização;
      • nível 4 – estudos de coorte e de caso-controle bem delineados;
      • nível 5 – revisão sistemática de estudos descritivos e qualitativos;
      • nível 6 – um único estudo descritivo ou qualitativo;
      • nível 7 – opinião de autoridades e/ou relatório de comitês de especialistas.

Tipos de estudos

Veja a seguir a descrição dos principais desenhos de estudos para pesquisa clínica e em educação. Alguns desenhos têm nomes diferentes, mas são semelhantes, como ensaio clínico randomizado e estudo experimental. Outros podem ser utilizados nas duas áreas, mas estão separados apenas para fins de organização do texto.

 

Desenhos de Estudo para Pesquisa Clínica

Ensaio Clínico Randomizado

Estudo experimental prospectivo no qual os participantes são divididos aleatoriamente em pelo menos dois grupos, controle e intervenção. É considerado o padrão ouro em pesquisa clínica, pois fornece evidências robustas sobre a eficácia de intervenções. Vantagens: permite avaliar a causalidade entre uma intervenção e seus efeitos, minimizando vieses de seleção e confusão. Desvantagens: geralmente é caro e demorado, além de exigir grande número de participantes para detectar diferenças significativas e uma equipe de pesquisa muito experiente.

Estudo de Coorte

Estudo observacional prospectivo no qual os participantes são agrupados com base em características comuns entre eles e acompanhados ao longo do tempo para determinar a ocorrência de desfechos, como determinada doença ou internação. É indicado para avaliar a relação causal entre uma exposição e um desfecho ao longo do tempo, especialmente em situações em que não é ético ou prático realizar um ensaio clínico randomizado. Vantagens: permite a avaliação de múltiplos resultados e a identificação de associações entre exposições e desfechos. Desvantagens: suscetível a perdas de acompanhamento e viés de seleção, especialmente em estudos em longo prazo.

Estudo Transversal

Estudo observacional realizado em um ponto específico no tempo. Ele investiga a relação entre variáveis em uma população em um determinado momento. Fornece uma imagem instantânea de população em relação às variáveis de interesse, mas não estabelece relação de causa e efeito. Indicado para avaliar a prevalência de uma condição de saúde em determinada população e em determinado momento. Vantagens: é útil para estimar a prevalência de condições de saúde e sugerir associações entre variáveis. Geralmente é de rápida execução e de custo inferior aos estudos prospectivos. Desvantagens: não é adequado para inferir causalidade e pode ser influenciado por fatores temporários ou sazonais.

Estudo Caso-Controle

Estudo observacional retrospectivo no qual os participantes são selecionados com base em sua condição clínica (presença de determinada doença, chamados de casos) e são comparados com pessoas sem a condição (os controles) para avaliar retrospectivamente a exposição a determinados fatores de risco. Indicado para investigar possíveis associações entre exposições e desfechos raros, especialmente quando não é possível realizar um estudo de coorte devido a restrições de tempo ou custo. Vantagens: úteis para investigar doenças raras ou com longo período de latência e mais rápido e com menor custo que os estudos prospectivos. Desvantagens: suscetíveis a vieses de seleção e memória, além de não ser adequado para inferir causalidade devido a sua natureza retrospectiva.

Estudo Ecológico

Estudo observacional que analisa as associações entre variáveis em nível populacional, ao vez de individual. As unidades de análise são grupos populacionais, como países, regiões, cidades, bairros ou comunidades. Indicado na investigação de associações entre variáveis em nível populacional, como fatores ambientais e incidência ou prevalência de doenças em diferentes regiões geográficas. Vantagens: úteis para identificar padrões geográficos ou temporais de doenças e fatores de risco em larga escala. Desvantagens: podem ser afetados por vieses ecológicos, não levando em consideração as características individuais dos participantes, além de não serem adequados para inferências causais individuais.

Estudo de Aglomerados

Estudo no qual as unidades de alocação não são indivíduos, mas grupos de indivíduos (chamados de aglomerados ou clusters), como escolas, comunidades ou hospitais. Os grupos são aleatoriamente designados para diferentes intervenções ou condições. Indicado quando a intervenção ou exposição é aplicada ao grupos de indivíduos como um todo. Vantagens: úteis para avaliar intervenções comunitárias ou políticas de saúde pública, além de reduzir a probabilidade de contaminação entre os participantes. Desvantagens: são de planejamento, execução e análise complexos, exigem grande número de aglomerados para detectar diferenças significativas, além de não permitirem inferências individuais.

Revisão Sistemática e Meta-análise

Estudo de revisão da literatura com o objetivo de sintetizar e analisar os resultados de múltiplos estudos primários sobre uma questão de pesquisa específica, a fim de obter uma visão abrangente e precisa das evidências disponíveis. Vantagens: permitem análise mais robusta e visão geral do corpo de evidências disponíveis, além serem considerados como o maior nível de evidência científica. Desvantagens: podem ser influenciados por viés de publicação, heterogeneidade entre os estudos incluídos e falta de acesso aos estudos ou dados originais.

 

Desenhos de Estudo para Pesquisa em Educação

Estudo Experimental

Estudo onde os participantes são aleatoriamente atribuídos a diferentes grupos de intervenção, permitindo a avaliação dos efeitos de uma intervenção educacional específica. É análogo a um ensaio clínico randomizado. Vantagens: possui alto nível de evidência científica, permite avaliar o impacto direto de uma intervenção educacional, controlando vieses de seleção e confusão por meio da randomização. Desvantagens: pode ser difícil implementar a randomização em ambientes educacionais, algumas intervenções podem não ser passíveis de randomização devido a questões éticas ou práticas.

Estudo Quasi-Experimental

Este tipo de estudo compara grupos diferentes de participantes, mas não utiliza a randomização na formação dos grupos. Indicado quando não é possível ou ético realizar um experimento randomizado, mas ainda se deseja avaliar o impacto de intervenção educacional, comparando grupos diferentes. Oferece insights sobre o impacto de intervenções educacionais, mas não elimina completamente os vieses. Vantagens: pode ser mais viável do que um estudo experimental. Desvantagens: suscetível a vieses de seleção e confusão, o que pode comprometer a validade dos resultados.

Estudo Tipo Antes e Depois

Estudo que avalia os resultados antes e após uma intervenção educacional, em um único grupo,  sem a utilização de grupo de controle. Indicado para avaliar o impacto de uma intervenção educacional, quando não é possível estabelecer dois grupos independentes. Oferece insights sobre os efeitos da intervenção, mas é menos robusto do que os estudos experimentais e quasi-experimentais devido à ausência de grupo de controle. Vantagens: mais fácil de implementar do que estudos experimentais e quasi-experimentais, exige população menor. Desvantagens: suscetível a vieses, como efeitos de memória, amadurecimento e teste, além de não permitir inferências causais definitivas devido à falta de grupo de controle.

Estudo de Casos

Estudo qualitativo para investigação aprofundada de algum fenômeno ou situação. Pode ser um estudo de uma única pessoa ou envolver grupos diferentes de pessoas. Utiliza-se técnicas diferentes de coleta de dados, como entrevista individual em profundidade ou grupo focal, entre outras. Indicado para explorar ou aprofundar fatores relacionados a determinado fenômeno educacional específico. Pode fornecer insights detalhados e contextualizados sobre um fenômeno e suas causas potenciais, mas não é generalizável. Vantagens: útil para explorar questões complexas em profundidade e gerar hipóteses para estudos posteriores. Desvantagens: não permite generalizações amplas e pode ser influenciado pela subjetividade do pesquisador e do participante.

Revisão Narrativa

Tipo de revisão da literatura que descreve e resume os principais achados de estudos existentes sobre determinado tópico, sem metodologia formal de busca e análise. Oferece visão geral das evidências disponíveis sobre um tópico, mas pode ser suscetível a vieses de seleção e interpretação. Vantagens: úteis para contextualizar e interpretar os resultados de estudos individuais, além de identificar lacunas na literatura. Desvantagens: podem ser menos transparentes em termos de critérios de seleção de estudos e métodos de análise, são susceptíveis a vieses de seleção por parte do pesquisador, além de não realizarem síntese formal dos dados.

Revisão de Escopo

Estudo de revisão da literatura indicado para mapear e resumir ampla gama de evidências existentes sobre um tópico, sem a intenção de realizar síntese quantitativa dos dados. Oferece visão abrangente do estado atual do conhecimento sobre determinado tópico. Vantagens: úteis para identificar lacunas no conhecimento, priorizar áreas de pesquisa e orientar políticas. Desvantagens: podem ser menos rigorosas em termos de critérios de inclusão e exclusão de estudos, além de não fornecerem síntese quantitativa dos resultados.