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Depois de escolher o tipo de bolo (desenho do estudo), selecionar seus ingredientes (população e dados) e preparar os utensílios (instrumentos de coleta), é hora de conferir os detalhes da receita e colocar a mão na massa. Nesta fase, vamos abordar os Procedimentos que devem ser seguidos para garantir que a sua coleta de dados seja eficiente, precisa e ética.
Esta seção representa o conjunto de ações a serem executadas pelo pesquisador para realizar intervenções e coletar dados. Ela pode variar consideravelmente, dependendo do tipo de pesquisa, envolvendo vários tipos de intervenção, como tratamentos médicos, testes laboratoriais, programas educacionais e treinamentos comportamentais.
Antes de iniciar a coleta de dados, é essencial planejar detalhadamente todos os procedimentos. Isso inclui definir claramente as etapas que serão seguidas, as responsabilidades de cada membro da equipe e o cronograma das atividades. Um planejamento cuidadoso evita surpresas e garante que todos os envolvidos saibam exatamente o que fazer. Ele pode ser dividido em três tópicos:
A quantidade e duração das etapas de execução do projeto dependem de sua complexidade. Normalmente, este tópico inclui o planejamento da intervenção e da coleta de dados, recrutamento de voluntários, inclusão dos voluntários, realização da intervenção e coleta de dados, registro e armazenamento dos dados.
Planejamento da intervenção e da coleta de dados
Para que você consiga definir a duração e complexidade da execução do seu projeto é preciso planejar bem as etapas. Haverá algum tipo de intervenção? Quantas intervenções serão realizadas? A coleta de dados ocorrerá antes e/ou depois das intervenções? Haverá acompanhamento longitudinal dos voluntários? Por quanto tempo? Quantas vezes eles serão avaliados durante o acompanhamento? Quais dados serão coletados nessas avaliações?
Recrutamento de Participantes
No post sobre População, discutimos sobre o recrutamento dos voluntários, mas aqui é necessário detalhar um pouco mais esse tema. O recrutamento pode ocorrer em um ou duas etapas. Se não for necessário realizar uma triagem prévia, ele pode ser feito em uma etapa única. Por exemplo, vou recrutar presencialmente alunos do 10º período do curso de medicina durante uma aula deles. Ou, vou recrutar pacientes hipertensos não controlados do serviço onde trabalho. Posso verificar durante a consulta se eles são controlados ou não e convidá-los a participar do estudo.
Por outro lado, se eu não conseguir controlar os critérios de inclusão e exclusão, ou for necessário realizar algum exame laboratorial, o recrutamento deverá ser em duas fases. Primeiro, você deve fazer uma inscrição dos interessados em participar do estudo. Com base na lista de inscritos, você selecionará aqueles que preenchem os critérios de inclusão e exclusão, que serão convidados a participar do estudo (recrutamento propriamente dito).
Por exemplo, será realizado um estudo on-line apenas com alunos do último ano de Medicina de qualquer faculdade de Minas Gerais. Você pode divulgar um questionário de triagem que pergunta sobre o ano do curso e depois enviar o questionário do estudo apenas para os alunos que são do último ano. Ao divulgar o questionário de triagem de forma indeterminada, você aumenta a chance de atingir um número maior de pessoas de outros cursos e outras cidades, aumentando potencialmente sua amostra. Ou, você está estudando um medicamento que pode causar deformidades em fetos, as mulheres em idade fértil só poderão ser incluídas após a realização de teste de gravidez e se ele for negativo.
A divulgação do projeto também deve ser planejada, que forma a potencializar o recrutamento. Algumas estratégias que podem ser adotadas são: anúncios em mídias sociais e comunidades locais, parcerias com instituições (escolas, hospitais, empresas), convite por e-mail, telefone ou WhatsApp para participantes potenciais.
Inclusão dos voluntários
Após o recrutamento, a inclusão dos voluntários é formalizada pela assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A apresentação do termo e esclarecimento de dúvidas pode ser feito de forma individual e presencial, ou pode ser feita on-line, de acordo com o desenho do estudo. Vamos conversar mais sobre o TCLE em um próximo post, que abordará os aspectos éticos do projeto.
Realização da intervenção e coleta de dados
Antes de iniciar as intervenções e a coleta de dados, será necessário definir a equipe responsável por cada uma dessas etapas e treiná-las. Em projetos menores, geralmente é a mesma equipe que realiza as duas etapas. No entanto, em estudos que envolvam uma intervenção de cunho educacional, como uma aula ou curso, é importante que haja padronização da intervenção e, caso ela ocorra mais de uma vez, que seja realizada pela mesma pessoa e nas mesmas condições e que esta pessoa não seja um dos pesquisadores. Isso é muito importante, para evitar vieses que não podem ser controlados. Como citado no post anterior, é sempre importante realizar um pré-teste, para fazer uma checagem operacional da intervenção, do instrumento de coleta e da formação do banco de dados.
No caso de estudos longitudinais, é muito importante definir estratégias de retenção do voluntário, de forma a minimizar perdas. Além de lembrar o voluntário sobre os próximos compromissos, você pode enviar notícias periódicas sobre o andamento do projeto ou novidades sobre o tema, procurando manter o interesse e engajamento dele. Mensagens em datas comemorativas, como aniversário, final de ano etc. também são uma boa estratégia.
Depois de tudo pronto, é iniciar o projeto propriamente dito.
Registro e Armazenamento de Dados
Você deve ter muito cuidado com o registro e o armazenamento dos dados. Além do preenchimento correto e preciso dos instrumentos, é preciso garantir o armazenamento seguro dos dados físicos ou digitais.
O preenchimento correto dos instrumentos depende da qualidade do instrumento em si, principalmente dos autopreenchidos, e do treinamento dos aplicadores. Como já discutido, instrumentos muito longos podem prejudicar a qualidade da coleta. Por isso, só faça perguntas que sejam pertinentes e não se esqueça do pré-teste.
Outro ponto essencial é garantir que cada voluntário tenha apenas um único identificador, como já foi discutido. O TCLE e o instrumento de coleta devem conter este identificador. O instrumento de coleta não deve conter nenhum outro dado que permita a identificação direta do voluntário, como nome ou iniciais.
No caso de questionários físicos, deve-se garantir o armazenamento do TCLE em local separado dos instrumentos de coleta. As pessoas responsáveis pela digitação dos dados não devem ter acesso aos TCLE. Os questionários devem ser armazenados de forma organizada, permitindo a fácil localização de um questionário específico, caso necessário. Também deve ser claramente sinalizado se ele já foi codificado e digitado, a data e o responsável por cada um desses procedimentos.
Para questionários on-line, além da utilização de um ambiente seguro para aplicação deles, o CONEP recomenda que os arquivos sejam retirados e apagados da “nuvem” o mais breve possível. Caso os dados de identificação do TCLE estejam no mesmo arquivo do instrumento de coleta, eles devem ser separados imediatamente. Apenas o identificador único deve constar do arquivo de coleta de dados e os dados de coleta não deve estar no arquivo do TCLE. Também é importante que os arquivos sejam armazenados em locais (computadores) diferentes e que a equipe responsável pela análise de dados não tenha acesso ao arquivo do TCLE. Recomendo que os arquivos sejam protegidos por senhas “fortes” diferentes (pelo menos oito dígitos, contendo uma letra maiúscula, uma minúscula e um carácter especial).
Não se esqueça de fazer cópias de segurança dos seus arquivos, principalmente se a coleta for on-line. Se você perder o banco de dados depois de apagá-lo da nuvem…
Mesmo quando se trabalha com projetos menores e com equipes reduzidas é importante definir as responsabilidades de cada pesquisador, principalmente se ele desempenhar mais de um papel. Minimamente, o projeto deve contar com um coordenador, recrutador e entrevistador. A formação do banco de dados e análise de dados pode ser realizada internamente ou por meio de consultoria externa. Projetos maiores podem ter um coordenador geral ou investigador principal, e um coordenador específico para cada área, como recrutamento, coleta de dados, exames laboratoriais e armazenamento de dados.
O coordenador do projeto é responsável pela supervisão geral do estudo e pela coordenação das atividades da equipe, incluindo o treinamento. Entre suas atribuições estão o planejamento e gestão do cronograma, comunicação com a equipe e stakeholders, resolução de problemas e tomadas de decisão e supervisão do projeto.
O recrutador é encarregado por identificar, contatar e recrutar participantes para o estudo. Ele deve planejar e implementar as estratégias de recrutamento, manter registros de contato com participantes, agendar entrevistas ou sessões de coleta de dados e fazer o acompanhamento dos voluntários em caso de estudos longitudinais.
O entrevistadores realizam inclusão propriamente dita do voluntário (assinatura do TCLE) e a coleta de dados, que pode meio de entrevista ou aplicação de instrumentos autopreenchidos. São de sua responsabilidade: garantir que os procedimentos éticos sejam seguidos, aplicar os questionários e escalas e registrar precisamente as respostas dos participantes.
Em projetos menores, a formação do banco de dados é realizada internamente, sendo a análise terceirizada ou não. Ela inclui a codificação e digitação dos instrumentos de coleta, além da verificação da consistência e integridade dos dados. Existem alguma técnicas que podem ser utilizadas para verificação de consistência e integridade, como dupla digitação (usar dois digitadores independentes e comparar as inconsistências entre dos dois bancos de dados), conferência de amplitude (verificar se os valores de cada variável estão dentro dos limites esperados) e conferência lógica (comparar variáveis relacionadas, como ser tabagista e número de cigarros consumidos por dia, ou sexo e gravidez).
Neste cronograma você deve detalhar a duração de cada uma das etapas descritas anteriormente. Isto será importante para ter uma ideia da duração de cada uma delas e da duração total da coleta de dados. Muitas vezes você precisará fazer outro cronograma, que engloba outras fases do estudo, como submissão do Comitê de Ética em Pesquisa, análise de dados, defesa da dissertação e divulgação de resultados. Também vamos conversar sobre isso em breve.
Considerando que você já tem todos os instrumentos e manuais prontos e que o projeto já está aprovado no CEP, será preciso considerar o tempo necessário para realizar os seguintes passos antes do recrutamento dos voluntários:
O recrutamento dos voluntários deve prever o tempo para pré-seleção e triagem, se necessário, e a inclusão. Em estudos prospectivos, como ensaios clínicos ou estudos experimentais, se a intervenção for individual, como um tratamento, é possível realizar o recrutamento, inclusão, intervenção e acompanhamento em separado para cada voluntário. Em estudos que precisam de uma intervenção em grupo, com uma aula ou curso, será preciso recrutar todos os voluntários antes da intervenção e acompanhar o grupo junto ao longo do tempo. Você deve considerar uma margem de segurança em relação ao tempo total de recrutamento e acompanhar a velocidade dele ao longo do projeto. Em estudos prospectivos, o tempo de acompanhamento total do voluntário deve ser acrescido ao último dia de recrutamento, para que se tenha o tempo total de coleta de dados.
A coleta de dados em si, segue o mesmo cronograma do acompanhamento, já que em cada encontro haverá dados a serem coletados. Não é preciso aguardar o término da coleta de dados para iniciar a criação do banco de dados. A codificação, digitação e conferência do banco de dados deve ser iniciada assim que se iniciar a coleta, e ocorrer de forma paralela, para que se ganhe tempo. Você deve somar de 15 a 30 dias ao término da coleta para o fechamento do banco de dados.
Após o fechamento do banco de dados, terá o início a análise, que será aprofundada no próximo post. O tempo de análise depende da qualidade do banco de dados (erros de digitação, dados faltantes etc.) e da complexidade do estudo em si, como o número de variáveis, número de avaliações ou consultas realizadas. A fase de tratamento dos dados e a elaboração do relatório geralmente são as fases mais demoradas dessa etapa. A análise dos dados pode demorar de 30 a 90 dias, de acordo com os fatores descritos. Se você vai utilizar um serviço terceirizado, é importante que o consultor trabalhe com você desde o início do planejamento, auxiliando na elaboração dos instrumentos de coleta e na criação do banco de dados.
Os procedimentos são o coração da coleta de dados. Seguir um planejamento rigoroso, treinar a equipe, executá-lo com precisão e manter o controle de qualidade dos dados são passos fundamentais para garantir que seus resultados serão confiáveis e válidos.
Com a receita toda detalhada, você já pode por a mão na massa!